Essa história começa com o email de uma amiga pesquisadora “Marília, esse edital é a sua cara!”. Com o tema “Conectividade e Inclusão Digital”, o “match” foi mesmo imediato. Difícil seria escolher uma das 12 linhas de pesquisa na categoria doutor e mestre. Baseada nos 16 meses de pesquisa de campo sobre adoção e impacto de smartphones para o envelhecimento, a mais óbvia seria a “Usabilidade, letramento digital para idosos e estratégias para acessibilidade universal”.

Mas a tentação de contribuir para a linha “Tecnologias alternativas para acesso à internet e inclusão digital para promoção da cidadania digital” a partir dos conceitos de “gambiarra” e “desire paths” trabalhados no meu livro “Ageing with Smartphones in Urban Brazil” era grande. Para piorar, a linha “Telessaúde, Saúde digital e Inteligência Artificial, e Telemedicina”, seria uma excelente oportunidade para explorar os dois protocolos de uso de WhatsApp para saúde que desenvolvi durante meu doutorado, um deles aplicado à nutrição, cujo estudo será publicado pela UCL Press no livro “An Anthropological Approach to mHealth” ainda este ano.

Enquanto me decidia, veio o balde de água fria:

Na categoria Mestre e Doutor, a idade limite era ter menos de 40 anos. O quê? Por quê? E você prontamente diria: “Mas Marília, é meio óbvio, não? Trata-se da 30ª Edição do Prêmio Jovem Cientista, que há 40 anos revela talentos, impulsiona a pesquisa e investe em estudantes e jovens pesquisadores”.

Será óbvio mesmo? Eu entrei na Escola de Comunicações e Artes da USP com 17 anos. Trabalhei por quase 20 anos como publicitária. Aos 37 iniciei meu mestrado e em 2021 defendi minha tese. Sou uma jovem doutora porque, apesar dos 47 anos, conclui meu doutorado há menos de cinco anos (em alguns órgão de fomento a tolerância chega a 7 anos). Pesquisa acadêmica foi a carreira que escolhi para a minha segunda metade da vida e pode ser a escolha de muitas outras pessoas. Com certeza é fundamental incentivar os jovens a também considerarem o caminho da pesquisa, ainda mais porque sem pesquisa não existe inovação. Mas inovação não é coisa só de jovem.

Por outro lado, um dos alicerces de um envelhecimento saudável é se manter aprendendo ao longo da vida. As Universidades Abertas à Terceira Idade atendem muito bem a esse propósito e alguns vestibulares têm sido repensados para os 60+. Mas por que não incentivar o interesse genuíno por uma segunda carreira em pesquisa? A requalificação profissional e a mudança de carreira são mais do que bem-vindas quando consideramos que viveremos mais e que tanto profissões quanto desafios sociais estão em franca transformação, consequência da revolução tecnológica e do acelerado envelhecimento populacional.

Por último, vale lembrar:

Continuar ativo e aprendendo impulsiona um ciclo virtuoso de saúde, sociabilidade e propósito, além de ser providencial para a economia. O estudo “Aging with purpose: Why meaningful engagement with society matters” do McKinsey Health Institute mostra que se brasileiros com 55 anos ou mais que gostariam de trabalhar mas não estão empregados fossem incentivados a retornarem à força de trabalho, o incremento potencial do PIB seria de 4,7%.