Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo.

Marília Duque fez seu mestrado e doutorado em Comunicação e Práticas de Consumo no Programa de Pós-Graduação da ESPM São Paulo, ambos com bolsa da instituição. Sua dissertação “Ethos em rede. Dinâmicas, apropriações e implicações éticas do ethos conectado no Facebook” foi defendida em 2016 e sua tese “Homo resiliens: moralidades e resistências da velhice mediada por smartphones em São Paulo”, defendida em 2021. Ambas as pesquisas foram orientadas pelo Prof. Dr. Luiz Peres-Neto.

Sobre a dissertação de mestrado “Ethos em Rede”

A partir da observação das cenas performática e discursiva no Facebook, Marília Duque analisou como os dispositivos e regime de visibilidade da plataforma estrutura um éthos em rede, apropriado e compartilhado entre seus atores sociais. Através das negociações em torno desse éthos, é possível atualizar e externar a imagem que desejam construir para si e partilhar como identidade. Neste sentido, o éthos circulante nesta rede social se configura como um bem acessível para consumo do outro, funcionando como uma marcador para os atores que o mobilizam, instaurando assim, a cada interação, um acúmulo de reputações e uma partilha de capital social.

Assumindo os consumos possíveis (do outro, de seu discurso, de seu éthos) nesta rede social como um sistema de informações, a dissertação mapeou os comportamentos dos atores e as implicações éticas desses consumos. Esta análise assume a perspectiva do dispositivo, considerando: sua potência silenciadora, sua influência na formação de redes emergentes, o imperativo da visibilidade instaurado por ele e o modo como o próprio Facebook emprega o éthos de terceiros para fomentar novas interações entre os sujeitos. Tais observações resultaram na proposição de uma tipologia de éthos e de um éthos conectado, aplicados à uma segunda reflexão ética. Esta tratou de como o Facebook emprega o éthos  dos atores em rede para a confecção de perfis de consumidores, infringindo protocolos éticos e também esvaziando o indivíduo de seu livre arbítrio.

O silêncio como porta de entrada para o estudo do envelhecimento

Uma das conclusões da dissertação de Marília Duque foi sobre a tendência de silenciamento dos atores no Facebook ocasionada pelo colapso de contextos e pelo desconhecimento dos recursos para gerenciamento de privacidade oferecidos ao usuário pela plataforma. A tendência foi confirmada pelo The Information, em 2016, mesmo ano da defesa da dissertação. De acordo com o relatório, os posts com atualizações pessoais sofreram decréscimo de 21% entre meados de 2014 e meados de 2015.

Marília Duque ingressou no doutorado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM São Paulo com projeto de pesquisa que visava expandir sua análise sobre o silenciamento de atores em redes sociais a partir da teoria da Espiral do Silêncio de Noelle-Newmann.

Em 2016 teve o WIP “Shut up and like it: The spiral of silence on Facebook” aprovado na conferência Social Media & Society, que aconteceria em Londres. No mesmo ano, o antropólogo Daniel Miller (University College London) divulgava os resultados do seu estudo global Why We Post. Como a pesquisadora teria como pergunta de pesquisa “Why we don’t post?”, marcou uma entrevista com Miller que resultou no convite para participação em seu próximo projeto ASSA – Anthropology of Smartphones and SmartAgeing.

De volta ao Brasil, Marília Duque mudou seu projeto de pesquisa de doutorado para estar alinhada com o projeto ASSA e foi assim que ingressou no campo do envelhecimento.

Sobre a tese de doutorado “Homo resiliens” 

Defendida em 2021 sob orientação do Prof. Dr. Luiz Peres-Neto, a tese “Homo resiliens: moralidades e resistências da velhice mediada por smartphones em São Paulo” verificou se e em que medida os idosos de São Paulo aderem ou resistem à convocação para um envelhecimento ativo e como os usos de smartphones estão implicados nesse processo.

Defende-se que essas negociações se estruturam a partir de dois campos: o da estratégia (moralidades e discursos) e o das táticas (práticas cotidianas). Para acessá-los, a pesquisa mobilizou aportes da Comunicação e do Consumo, da Ética e da Antropologia e fez uso de uma abordagem qualitativa multimetodológica.

No campo da estratégia emprega a Análise de Discurso de Linha Francesa para analisar a evolução dos documentos internacionais publicados desde a década de 1980 que visam a gestão do envelhecimento. O campo das táticas é acessado a partir de etnografia de 16 meses, estendida ao âmbito digital e complementada por entrevista em profundidade. Propõe-se que o campo da estratégia esteja relacionado com um dever-fazer, enquanto o das táticas esteja relacionado com um querer fazer. Entre um e outro situa-se o que pode ser feito a partir do consumo de aplicativos de smartphones. De tal modo, o poder-fazer é problematizado como ambivalente, posto que serve ao dever (poder fazer aquilo que se deve) e ao querer (poder fazer aquilo que se quer).

Se por um lado os smartphones inserem o idoso-protagonista nas moralidades do sistema de saúde participativo, como preconizado pela Telemedicina 2.0, por outro, expandem os espaços de resistências para o âmbito digital, abrindo brechas para condutas desviantes sem comprometer a identidade do idoso ativo. Essa identidade normativa e globalizada, do campo da estratégia, é vinculada à adoção de hábitos saudáveis, os quais os smartphones facilitariam no campo das táticas. No entanto, tais hábitos são experimentados a partir de uma cultura local que é também estruturante de um dever e de um querer.

Nesta interface, conclui-se que as diretrizes do Envelhecimento Ativo reforçam a moralidade local paulistana que associa improdutividade a uma conduta imoral. A participação em redes sociais e grupos de WhatsApp passa a fornecer provas de produtividade e caráter. Entretanto, ao mesmo tempo, cria espaços que permitem comportamentos desviantes e consumos não-saudáveis, cuja invisibilidade não compromete a reputação do idoso ativo. Esses espaços tratados como bastidores também permitem o silenciamento dos declínios e fragilidades inerentes ao envelhecimento de maneira a ocultar a dependência já reconstruída como ônus para a família, o estado e a sociedade.

Além disso, verificou-se a alta prevalência do uso de smartphones nas táticas de saúde acionadas pelos participantes da pesquisa. Porém, essa relevância não se dá pelo uso de aplicativos de saúde – ou na realização do modelo participativo de saúde – mas pela apropriação do aplicativo WhatsApp e seu uso nas táticas relacionadas à manutenção da saúde e da autonomia. Desse modo, defende-se que os smartphones contribuem para a performance da resiliência (enquanto recuperação do estado saudável, produtivo e participativo), a qual se apresenta como imperativo e virtude na velhice, resultando na tese de que o idoso ativo se constitua como Homo relisiens (homem resiliente).