“Eu não aguento mais falar de idadismo”. Levei um susto. Ouvi a frase de uma mulher durante a reunião semanal de um coletivo 60+ que foi e continua sendo o grupo mais militante dos direitos das pessoas idosas que observei durante minha etnografia de 16 meses em São Paulo. Ela seguiu sua queixa, reclamando que as discussões do grupo estavam tomadas pelo assunto e em todo lugar só se falava disso. Ela sentia saudade de pautas relacionadas à sociabilidade e ao consumo da cidade. Quanto ao idadismo, dizia não notar e, se notasse, não ligava. Minha primeira reação foi pensar: mas como isso é possível? Em seguida, veio uma sensação de déjà vu. Será que já ouvi isso antes?
Duas semanas depois, veio o insight. Eu fiz uma conexão entre a fala dela e as falas de pacientes relatadas no livro “Telecare Technologies and the Transformation of Healthcare” de Nelly Oudshoorn. A autora trata de como a telemedicina cria novas geografias de cuidado, mas não sem negociações e resistência. Um exemplo é a de pacientes que se recusam a usar dispositivos de monitoramento cardíaco em casa. Por quê? Porque o monintoramento tornava suas doenças onipresentes. Monitoradas, essas doenças passavam a ocupar todo espaço e todo o tempo, além de reduzir o sujeito à sua condição de paciente.
De certa maneira, trata-se do mesmo mecanismo de estigma implicado no idadismo. O estigma é um mecanismo que reduz a identidade do sujeito a um traço único – geralmente construído e reconhecido como pejorativo ou limitante em dada sociedade. É certo que o paciente não é só paciente. Da mesma forma, a pessoa idosa não é só idosa. Uma e outro são um tanto de outras coisas das mais diversas cujo somatório lhe representam. E o desafio é seguir vivendo cada qual sua subjetividade, apesar do estigma que pesa e impregna.
Como diz uma das mulheres do livro de Oudshoorn (tradução minha):
“Você não quer ser lembrada disso [problema cardíaco] continuamente, porque você tem que continuar tocando sua vida. É claro, ele está lá, mas você não tem que se ocupar disso 24 horas por dia. Você tem que tentar retomar o ritmo normal da sua vida”.
Agora substituia [problema cardíaco] por [idadismo] e, como eu, você entenderá o desabafo da mulher idosa. Imagine ser lembrada 24 horas por dia de que a sociedade onde você vive é idadista ou ter que lembrar outros de que isso é real e inaceitável.
A questão que se coloca aqui é: precisamos falar de idadismo? Precisamos e muito, mas não só disso porque a experiência de envelhecimento também não se reduz ao combate ao idadismo. Vez ou outra, talvez a gente possa ignorar o idadismo e também todas as desigualdades inerentes à velhice no Brasil só por um brevíssimo momento e dizer como Mafalda: “Hoy quiero vivir sin darme cuenta”.
E depois seguimos vigilantes e na luta.