Medo de confirmação de estereótipo (ou “stereotype threat”) é quando um indivíduo teme confirmar o estereótipo de que ele ou o grupo social a que pertence são vítimas. Mais do que isso, por ansiedade ou insegurança, ele inconscientemente tende a confirmar esse medo e acaba tendo um rendimento ou performance inferior naquela tarefa fundante do estereótipo. Esse mecanismo é particularmente relevante para a inclusão digital de pessoas idosas, comumente retratadas como limitadas, incapazes ou avessas à tecnologia.

Sim, estou falando dos danos trazidos pelo idadismo.

E cabe lembrar que esses danos resultam também em exclusão social, se considerarmos a acelerada digitalização de serviços que passam a mediar o consumo e a cidadania.

O impacto do idadismo na atitude e comportamento frente à tecnologia foi abordado por um estudo pioneiro conduzido no Chile. A pesquisa incluiu o idadismo como um dos fatores preditivos  mensurados pelo modelo UTAUT (Unified Theory of Acceptance and Use of Technology) para avaliar os usos de internet por adultos mais velhos considerando: busca de informação e educação, comunicação e suporte social, uso instrumental, lazer e entretenimento. O idadismo se mostrou especialmente relevante como fator preditivo de uso de internet para comunicação e lazer.

Além disso, o medo de confirmação de estereótipo pode se manter após o aprendizado de certa tecnologia e resultar no uso restrito ou até no abandono da mesma, como demonstrou outro estudo realizado em Portugal. Na etnografia de 16 meses que conduzi com pessoas idosas em São Paulo, era frequente que os participantes alegassem ter “preguiça” ou “falta de tempo” para adotar um aplicativo pelo qual demonstravam interesse. No entanto, essa atitude era uma estratégia de defesa frente ao medo de confirmarem o estereótipo de incapazes, dessa vez junto aos filhos, para quem a tecnologia era vista como “natural”.

Era de se esperar que os filhos funcionassem como especialistas quentes (“warm experts”) dando suporte ao aprendizado dos pais. Na prática, não era bem assim. Os relatos era de que os filhos não tinham tempo, nem paciência. Mais do que isso, a tecnologia era empregada na disputa de poder nos domicílios habitados pelas duas gerações, onde a posse da casa conferia autoridade os pais e as habilidades digitais, aos filhos. Por isso os cursos dados por profissionais eram tão procurados. Uma das participantes da pesquisa resume muito bem essa dinâmica.

‘Eu vou te falar, mas você presta atenção porque senão da próxima vez você não vai saber’. Os filhos às vezes falam assim. Eu vejo pessoas falando assim com mãe, tia e com avó. Isso é natural… ‘ai… não acredito que você ainda não sabe fazer isso’. Você pergunta alguma coisa… eles pedem para você entrar no Google, ‘é simples, é só você entrar’, como quem diz ‘não me enche o saco’

Mas e fora de casa?

 

O medo de confirmação de estereótipo também levanta pontos de atenção para iniciativas que apostam na intergeracionalidade para inclusão digital dos 60+. Vou deixar esse assunto para um próximo post. Para terminar esse, lembro que a idade cronológica sozinha não define atitude ou habilidade frente à tecnologia. Devem ser considerados elementos como: história de vida, tipo de ocupação, tempo desde a aposentadoria, arranjo domiciliar, percepção de utilidade, avaliação de privação digital relativa e contexto socioeconômico com especial ênfase à escolaridade.

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Referências:

Duque, M. Ageing with Smartphones in Urban Brazil: A Work in Progress. UCL Press, 2022.
Mariano, J. et al. Too Old for Computers? The Longitudinal Relationship Between Stereotype Threat and Computer Use by Older Adults. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 568972, 2 out. 2020.
Rosell, J. et al. Predictors, Types of Internet Use, and the Psychological Well-Being of Older Adults: A Comprehensive Model. The Journals of Gerontology: Series B, v. 77, n. 7, p. 1186–1196, 5 jul. 2022.