Você não encontrará o preconceito baseado na idade como causa mortis de nenhuma pessoa idosa. Ele opera silencioso, comprometendo a autonomia ao longo dos anos. No Dia Mundial da Saúde Universal, vale lembrar que o idadismo vai na contramão do fortalecimento de sistemas de saúde e da tão sonhada cobertura universal.

Revisão sistemática conduzida pela Yale School of Public Health em 2020 mostrou correlação com idadismo em 96% dos artigos analisados. A análise considerou o idadismo em nível estrutural, sendo o acesso negado a tratamentos com base na idade evidenciado em 85% dos artigos mais relevantes da base. Além disso, foi considerado também o idadismo em nível individual, relacionando os efeitos dos estereótipos idadistas sobre a saúde mental, condição física e expectativa de vida de pessoas idosas.

Publicado em junho deste ano, informativo da HelpAge mostra a inadequação dos sistemas de saúde com relação às demandas das pessoas idosas, e reúne dados e depoimentos sobre discriminação sofrida por pessoas idosas ao tentarem acessar recursos de saúde. Isso pode resultar na exclusão do sistema, como conta uma mulher idosa de Uganda, “as pessoas que provêm esses serviços têm uma atitude negativa frente às pessoas idosas, então nós as evitamos”.

Eu acredito que a tecnologia pode ser catalisadora de uma saúde universal. Mas é preciso reconhecer que a tecnologia tem o potencial de desencadear vantagens ou desvantagens cumulativas. Se as pessoas não possuem o acesso e as habilidades para se beneficiarem do âmbito digital, elas podem ficar à margem de serviços que passam a ser acessíveis porque mediados por tecnologia. Esse mesmo informativo da HelpAge mostra dados de que 51% das pessoas idosas no mundo vivem com multimorbidade. Enquanto isso, 42% das pessoas idosas no Brasil nunca acessaram a internet, segundo a TIC Domicílios 2024.

Não é só o acesso à saúde que a tecnologia pode viabilizar ou ampliar. É também o acesso a outras atividades que resultam em ganhos em saúde. O trabalho (em qualquer formato) confere propósito e sociabilidade, melhorando a qualidade de vida, como informa estudo do McKinsey Health Institute. Um dos participantes da minha pesquisa dizia: “ou você trabalha, trabalha, aposenta, adoece e morre; ou trabalha, trabalha, trabalha e morre, mas sem adoecer”.

Mas o acesso ao trabalho também depende de tecnologia. A tecnologia pode expandir as oportunidades de aprendizado ao longo da vida que viabilizam a requalificação e mesmo o desenvolvimento de uma segunda carreira (que fará uso de tecnologia). Não só isso, a tecnologia pode ampliar o acesso às vagas de emprego, com processos cada vez mais mediados por plataformas como o LinkedIn. A relação entre tecnologia, aprendizado ao longo da vida e empregabilidade também foi evidenciada em estudo conduzido pelo Lab Nova Longevidade.

O maior problema é que a tecnologia também é campo para idadismo. E não é só que o estereótipo da pessoa idosa avessa ou incapaz de adotar tecnologia precisa cair por terra – grau de escolaridade segue como o preditivo mais consistente no mundo para adoção de TICs. Os ambientes de aprendizado precisam ser abundantes e pensados para as pessoas idosas. As interfaces precisam ser desenvolvidas tendo usuários idosos em mente. E a conectividade também precisa ser universal – a da população idosa é, inclusive, a pior do Brasil, diz estudo.