Durante a etnografia que embasou minha tese “Homo resiliens” e meu livro “Ageing with Smartphones in Urban Brazil”, aprendi que três situações tiram as pessoas idosas do sério. A primeira é quando alguém se dirige a elas gritando, como se tivessem déficit auditivo. A segunda é quando esse alguém começa a falar bem devagar, como se elas tivessem algum déficit cognitivo. A terceira é quando o interlocutor usa tom ou termos que as infantilizam.
Podemos colocar essas atitudes na conta do idadismo. Mas é preciso entender que o idadismo não é apenas preconceito. É resultado de uma economia de atenção que pauta a vida em sociedade. Isso porque o idadismo opera a partir do mecanismo de estigma.
Em “Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada”, Goffman relembra que, entre os gregos, estigmas eram marcas físicas que permitiam a identificação de uma pessoa no espaço público. Essas marcas implicavam uma economia classificatória no olhar já que seu reconhecimento automaticamente acionava a conduta social esperada em relação àquela pessoa. E assim eram marcados ladrões, escravos e profissionais do sexo.
Atualizados, os estigmas vão além da marca física. Eles também são construídos culturalmente.
A cultura nos poupa o trabalho de ler o outro e emitir um juízo de valor construído do zero (é esse “ajuizamento partilhado” que o estigma automatiza). Mais do que isso, ela define o que será estigmatizado em uma dada sociedade e época.
Ainda que a idade vivenciada subjetivamente tenda a ser bem menor que a cronológica (daí a máxima de Marc Augé de que “todos morreremos jovens”), o envelhecimento se mostra naturalmente no corpo e assim se põe à vista do outro, quando o estigma da velhice é acionado. Na economia do olhar, e porque o idoso foi historicamente construído como incapaz e dependente, a conduta social é prontamente ajustada, resultando nos berros, na fala pausada ou no tom que infantiliza a pessoa idosa.
Além disso, o estigma é perverso porque reduz toda a identidade do sujeito a um único traço estigmatizado culturalmente. Por esse motivo, vejo a mudança da terminologia “idoso” para “pessoa idosa” com bons olhos. Afinal, ser idosa é apenas uma das características da pessoa idosa, não menos complexa em sua subjetividade e identidade.
E por que estou escrevendo sobre isso agora?
Porque frequentemente analiso apresentações de startups e empresas voltadas para o público idoso. E me chama a atenção a questão da estigmatização da pessoa idosa pelas imagens, principalmente aquelas que visam ilustrar os usuários idosos de tecnologia. Elas me parecem infantilizadas: ora como crianças defrontadas com um quebra-cabeça insolúvel, ora como crianças que acabaram de abrir o presente de Natal. E por que isso importa? Porque as imagens materializam valores e visões de mundo. Porque elas educam para e perpetuam esses valores. Porque elas criam o referencial que pauta nossa economia do olhar. Porque imagens podem retroalimentar estereótipos (como de que tecnologia é para jovens) e, por isso, não devem ser tratadas com ingenuidade.