É o estoico Sêneca quem alerta: não é que vivamos pouco tempo, mas demoramos muito tempo para começarmos a viver. Seu argumento é de que postergamos para depois da aposentadoria o tempo reservado para nós mesmos (e para refletir sobre o que nos afeta e nos move no mundo). A aposentaria é, de fato, um marco para o balanço sobre o propósito da vida. E aqui há duas perspectivas. A primeira é encontrar no passado feitos e legados e contemplá-los na segunda metade da vida, extraindo desses méritos o sentimento de dever cumprido. A segunda é mirar o futuro e formas possíveis de contribuição para sua mudança, produzindo no fazer o sentimento capaz de dar sentido à vida. Em outras palavras, a segunda perspectiva trata do abandono das reflexões sobre o propósito da vida e o compromisso de viver cada dia com propósito.

Os participantes da minha pesquisa em São Paulo escolheram esse segundo caminho.

A insuficiência do passado como objeto contemplativo pode ser explicada por vários fatores. O fim de uma vida dedicada ao trabalho pode não ter terminado com louros, mas com a dispensa ou a aposentadoria motivadas pelo idadismo no mercado de trabalho. O casamento de longas décadas pode ser celebrado, mas como eles mesmos dizem: “é complicado”. As conquistas dos descendentes, quando existentes, podem gerar o sentimento de legado, mas a sabedoria dos pais parece ter pouco espaço ou escuta entre os filhos. E os netos? “São umas gracinhas”, mas não bastam.

Daí o redirecionamento do feito para o ainda-por-fazer-agora.

E por que a urgência? Tic-tac! As pessoas idosas têm total consciência da brevidade da vida. Não é só que já experimentem a morte de pessoas próximas. O cuidado com pais idosos escancara a ocorrência de uma morte anterior: a da autonomia. Por isso hoje é sempre dia de resolver e fazer. Como disse uma participante: “você tem que pensar na morte todos os dias para viver bem, para fazer de cada dia um dia especial”.

Mas afinal, o que os participantes da minha pesquisa estão fazendo?

Além do empreendedorismo voltado para necessidades do próprio envelhecimento, muitos dedicam seu tempo e conhecimento ao voluntariado. Muitas das atividades abertas à terceira idade que observei no meu campo em São Paulo têm uma pessoa idosa como protagonista. O voluntariado confere reconhecimento e respeito, além de prolongar o status de cidadão produtivo de São Paulo.

Neste sentido, ao mesmo tempo que trabalham para viver o dia-a-dia com propósito, trabalham para/com seus pares e para melhorar a experiência de envelhecimento na cidade como um todo. De fato, esse foi um propósito compartilhado por muitos em minha pesquisa: construir um legado, não para os netos, mas para os futuros idosos. Isso significa expandir seus acessos, direitos, visibilidade e formas de participação. Como resumiu um dos participantes:

“nosso maior desafio é tirar as pessoas de casa. E não tem volta. É daqui para o infinito e além. Nós queremos deixar um legado para aqueles que virão depois de nós”.

E isso é para ontem.