O direito de ir e vir é previsto em nossa Constituição e na Declaração de Direitos Humanos da ONU. Se pensarmos a evolução do direito de ir e vir na velhice, podemos situar em um extremo a própria etimologia da palavra “aposentado”, aquele “instalado em aposento; hospedado, albergado”, segundo o Houaiss. Na direção oposta, estariam políticas e iniciativas que objetivam justamente viabilizar a saída da pessoa idosa desse aposento. O projeto Cidades Amigas dos Idosos da OMS e a norma ISO/TC 314 e seus subconjuntos de diretrizes para as “Ageing Societies” são exemplos nesse sentido. E no Brasil vale destacar o Decreto nº 5.296/04 e a norma ABNT 9050/2020 com a perspectiva do Design Universal.

O direito de ir e vir na velhice também é direito à saúde.

“Capacidade de ter mobilidade” é inclusive uma das habilidades funcionais que a Década do Envelhecimento Saudável visa preservar: tanto para a realização de tarefas diárias, quanto para a participação de atividades. Isso porque a mobilidade está relacionada com autonomia, sociabilidade e possibilidade de participação, consumo e cidadania.

Então vale perguntar: pessoas idosas têm o direito de ir para onde e vir de onde para fazer o quê?

Aqui abre-se um campo para desigualdades que escancaram a necessidade de se reconhecer que a experiência de envelhecimento é profundamente influenciada pelo território. Tomarei os 96 distritos de São Paulo como exemplo.

O Mapa da Desigualdade 2023 mostra que o número de centros culturais, casas e espaços de cultura para cada dez mil habitantes pode variar 27 vezes entre os distritos sendo que para 57 deles o número é zero. Quando consideramos instrumentos de cultura municipais, a variação é de 43,5 vezes sendo que para 54 distritos o número é zero. Com relação a equipamentos públicos de esporte, a variação é de 26,2 vezes sendo que para 12 distritos o número é zero. E se considerarmos a proporção da população que reside em um raio de até 1 km de estações de transporte público de massa, a variação chega a 100 vezes, sendo que para 21 distritos o número é zero. Caberia falar da conexão à internet que poderia informar as pessoas idosas sobre oportunidades de atividades, eventos e aprendizado, mas fica para outro post porque o hiato digital aqui é mais complexo.

Por último, o direito de ir e vir na velhice não é só sobre ter acesso.

Mais do que isso, trata-se, ainda hoje, de uma construção simbólica e em disputa com potência para impulsionar as pessoas idosas de volta ao aposento. Ouvi de muitos participantes 50+ da minha etnografia em São Paulo que eles evitavam alguns lugares por não se sentirem bem-vindos. Esses espaços “não eram” para eles. A boa notícia é que outros faziam questão de ocupá-los e de se fazerem visíveis e presentes. Por causa deles, alguns guetos etários se enfraquecem.

Isso mostra que o direito de ir e vir na velhice é sobre acessibilidade e pertencimento – mas é também sobre ocupar e resistir.

 

Foto: @Joaquin Carfagna @Pexels